quinta-feira, 27 de maio de 2010

Pra não dizer que não falei em amor




O amor é um assunto no qual eu e Amália Malaquias, amiga já citada aqui em outros textos, discordamos frontalmente. Ela é uma romântica à antiga e acredita no amor. Um amor, segundo ela, que é um sentimento profundo, desprovido de qualquer condicionamento e interesse. Um amor que é feito de renúncia, de dar sem esperar nada em troca. .

Claro que ela não ama nem nunca amou assim e, quando eu a provoco pedindo que me cite um único caso onde sob a máscara da abnegação não se oculte o interesse próprio, só lhe ocorre falar do amor materno. Acontece é que também não existe amor materno. Existe, sim, instinto materno e tão forte que há milhares de casos documentados de filhotes adotados por mães de outra espécie animal. Há porquinhos amamentados por tigres, tigrinhos amamentados por cadelas, cãezinhos amamentados por gatas e outras tantas combinações, inclusive de animais de espécies que em situação natural resultaria em caça.

Nos mamíferos o instinto materno é conseqüência da ação da ocitocina, um hormônio produzido no cérebro durante a amamentação que estimula o hipocampo, uma região relacionada à memória e ao aprendizado e cujo resultado é produzir uma ligação quase indestrutível entre mãe e filho, criando um sentimento duradouro. O estímulo da ocitocina liberada na amamentação é tão poderoso que em experiência com animais de laboratório comprovou-se que as cobaias preferem amamentar os filhotes a tomar cocaína.

Neste ponto, Amália, que desdenha dos meus conhecimentos na área da química biológica, me interrompe para dizer que não tem importância alguma se o amor é conseqüência da atuação de um hormônio e que deve existir algum outro hormônio que estimule a eclosão do amor entre “uma mulher e um homem”. Pus entre aspas porque Amália só crê no amor heterossexual. Do ponto de vista biológico é possível que ela tenha razão neste aspecto, porque os feromônios sexuais atuam para possibilitar a reprodução sexual, em conformidade com o instinto de preservação da espécie, mas isso, então, seria negar a possibilidade de “amor” homossexual, porque nada indica que a natureza tenha criado mecanismos bioquímicos de atração entre indivíduos do mesmo sexo.

Justamente porque creio na possibilidade do “amor” homossexual, tanto quanto do amor heterossexual, é que não acredito no amor com as características que Amália atribui a este sentimento, pois tais características só são possíveis quando um estímulo bioquímico atua com força superior ao do instinto de auto-preservação e, além do instinto de preservação da espécie, apenas as drogas e certas doenças mentais, são capazes de levar uma pessoa à aniquilação, situação análoga ao do amor romântico no qual a minha amiga acredita.

Mas eu também creio no amor, uma outra espécie de amor, um amor que é dádiva da cultura, da arte, da imaginação humana, da fantasia, da poesia. Amor que é conseqüência do amor próprio, não em detrimento dele. Amor porque nos faz bem amar e sentirmo-nos amados. Amor de salvação, não amor de perdição.

Carla Luma


20 comentários:

  1. Bem vinda querida.Aqui tem lugar na casa e no coração...M@ria

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  2. bonito. amamentar é muito bom mesmo.
    vou pensar no que disse lá no texto anterior sobre o q comentei.
    obrigada.

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  3. Muito bom.
    Freud foi quase apedrejado quando afirmou que todo o bem que fazemos e o amor que doamos é por "troca". A questão não está em definir. É assim, e ponto. Quem quiser acreditar em amor incondicional... Eu, particularmente, duvido. Lá no fundo de quem se dedica tremendamente, a ponto de quase se anular, há uma recompensa, ainda que inconsciente.
    Não conhecia a tal da ocitocina. Prazer, Ivan. Mas achei interessante e talvez explique um pouco (ou muito) deste fascínio dos homens pelos seios, e vice-versa, senão as mulheres não gostariam também. Enfim, dá pano pra manga.
    Beijo grande.

    Ivan Bueno
    blog: Empirismo Vernacular
    www.eng-ivanbueno.blogspot.com

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  4. Carla,


    Gostei do texto...

    Quanto ao amor, olha, acho que há razões que a própria razão (ou os hormônios) desconhecem. A coisa é mesmo um mistério . O ser humano surpreende, o amor surpreende. Amor sem interesse? Amor destrutivo? Tem de tudo. Bom fazer poesia e expurgar esses demoninhos todos..

    bjs.

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  5. O tal do Freud era foda mesmo. Fico aqui pensando nas relações dele com Minna, a cunhada, e com Anna, a filha caçula. Estranho é a sua discrição acerca de Amalia, a mãe dele, não a minha amiga Amália Malaquias.
    Beijo grande, meu querido.

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  6. Eu acho que mistério é o nome que damos às coisas que ainda não conseguimos explicar, Ana. Mas também conheço aquela música que diz que quem acha vive se perdendo. Então, apesar de achar, sei que posso estar errada, não somente nisso, mas em quase todas as coisas.
    Beijos meus

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  7. Carla,
    Eu concordo com a Ana. As coisas não são sempre tão simples e nem sempre podem ser explicadas apenas através da ciência, mas seu texto é, como sempre, muito bom.
    Beijos

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  8. Fredinho,
    Eu tenho a convicção de que para tudo é possível encontrar uma explicação lógica, mas não acho que isso seja uma simplificação, já que a lógica pode ser muito mais complexa que atribuir razões misteriosas para explicar coisas que (ainda) não conseguimos entender, mas é claro que respeito a sua opinião e a de Ana.
    Beeeeeeeeiiiiiijos, meu querido.

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  9. Falar de amor às vezes é bom, eu também falo, mas viver o amor é fundamental.

    Viver não é preciso, é imprevisível, mas navegar é uma ciência de precisão.

    Abraço do Jefhcardoso

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  10. Querido Jefh,
    Desculpe-me a franqueza: o seu comentário é tão genérico que me levou a crer que a única coisa que você leu deste post foi o título, mas não faz mal, querido, serviu para que eu soubesse que você me visitou.
    Beeeijo.

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  11. pois, era melhor acreditar na ana, mas isso seria como tapar o sol com os furos das minhas cuecas. então concordo contigo, né.

    beijos.

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  12. Era sim, Nina: não teríamos que buscar explicações para tudo, mas temos, e porque temos, busco explicações para os furos das suas cuecas. Os das minhas calcinhas é desleixo mesmo. Visse?
    Beeeiiijos

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  13. Pois é BlackRose, pois é. Não entendi buceta, e estou com preguiça de ir ao google pra traduzir.

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  14. o amor segundo a história da filosofia é a maior aventura e mais perigosa que qualquer pessoas pode se envolver. Amar alguém acima de tudo é amar a si mesmo, e conhecer a si mesmo através do outro. O amor é algo que vai pra sempre ser, nunca será completado, é uma busca infinita, "o amor é filho de uma figa"

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  15. Querido Moraes,
    Imagino que a história da filosofia tenha sido escrita por filosofos, ou por historiadores. Seja sim ou seja não, evidentemente foi escrita por intelectuais...
    Pois é: intelectuais não sabem cacete de aventura.
    Não conheço nenhum que rode bolsinha nas três da matina no centro de Sampa, que entre no carro de um cara que não conhece, ou, saíndo deste campo específico, que tenha escalado um pico acima dos sete mil metros.
    O amor, meu querido, é como o efeito de um alucinógeno: provoca alterações psicoquímicas no organismo, faz a sua vítima ignorar a realidade, mas passa.
    Beeeeeeiiiiiiijjjjjooooooosss

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  16. Gostei do texto, divertidas divergências entre amigas, muito gostoso de ler. A amiga romântica que acredita no amor incondicional que ela nunca viveu...

    Será que o amor "salvação" não seria o amor contrução? Não importa, o importante é o prazer que o texto me deu.

    beijos,

    Eliane

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  17. Claro, Eliane, o texto cumpriu a sua função e isso me deixa satisfeita.
    Beijos

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