sexta-feira, 2 de abril de 2010

prólogo





Não sou de deixar as minhas coisas ao acaso, como se a mão da providência pudesse vir com um inusitado tesão apenas para pagar as minhas contas e não, como sói de ser, para apalpar-me as carnes, arrancar a minha roupa e me enfiar a pica em todos os orifícios prováveis e, se eu der mole, nos improváveis também.

Generosidade gratuita nem mesmo na infância. Lembro-me perfeitamente que o meu padrinho ficava de pau duro quando me colocava no colo e que me beijava na boca quando ficávamos sozinhos, mas nunca tentou me comer, é bom que eu deixe claro. Eu até que gostava de sentir aquele pau latejando na minha bunda. Não gostava era do bafo de cigarro, mas ele me trazia chicletes e sempre deixava uma grana pra eu ir ao cinema e tomar sorvete.

Com certeza eu estaria dizendo besteira se afirmasse que naquela idade eu considerava aquilo uma lisonja. Na época eu não cogitava o imenso poder que uma mulher pode exercer sobre os homens. Este conhecimento eu só adquiri na adolescência e a ele devo todas as minhas conquistas. Quando vou a Jacarezinho visito o meu padrinho. Eu gosto muito dele. O coitado está bem velhinho e gagá. Quando ficamos sós eu dou um jeito de acariciar-lhe a pica, mas a ereção nunca se completa. Até boquete eu fiz uma vez. O fracasso foi tamanho que o velho quase mija na minha boca, mas os olhinhos safados brilhavam de satisfação.

Mas eu dizia que não sou de deixar as minhas coisas ao acaso. Foi por isso que escrevi as minhas memórias organizando os meus diários em um livro cujo título é "As mãos me falam, os falos me calam", um grande sucesso editorial no Brasil e nos países lusófonos, que em breve será lançado no mercado chinês com uma tiragem de fazer inveja a Paulo Coelho.

Eu temia que os meus diários caíssem, se eu morresse, por exemplo, ou por outro motivo qualquer, em mãos de pessoas que não conseguem ver no âmago das coisas e que dariam à minha vida uma conotação de superficialidade que eu não admito. Não sou apenas uma mulher gostosa e bonita: tenho conteúdo.

Um advogado que me comia, quando a esposa viajava pra Curitiba, foi que me aconselhou a registrar os meus diários na Fundação Biblioteca Nacional para proteção dos meus direitos autorais. Foi a minha primeira providência. Relutei muito mas não resisto: depois se descobriu que a mulher tinha um caso na capital com um escritor famoso, cujo nome eu não direi porque não posso provar.

De uma editora à qual enviei um projeto do livro e os primeiros capítulos recebi uma carta que dizia, através de mal disfarçados sofismas, que não publicariam as memórias de uma puta, nem mesmo se eu pudesse cobrir os custos de produção e distribuição. Os idiotas não conseguiram enxergar que ao me expor, ao expor as minhas intimidades, os meus relacionamentos precoces, o que de fato se revela é a hipocrisia estarrecedora da nossa melhor sociedade. A hipocrisia da elite na qual nasci e fui criada.

Não me tornei puta por necessidade, foi uma opção por uma profissão honesta e que pode ser muito bem remunerada, desde que a profissional tenha os atributos físicos necessários, um pouco de talento para a interpretação, que saiba se valorizar e, sobretudo, que goste de foder.

Eu adoro.

Carla Luma

ilustração: Sergey Ignatenko


4 comentários:

  1. Maravilha, Carlinha.
    Ótimo texto
    Beijocas

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  2. A hipocrisia da elite ainda existe aqui, ali e à cú lá.

    muito real seu texto,
    bjs

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  3. A-DO-REI o "à cú lá", Dilinha. Obrigado, linda. Dê umas lambidinhas em fredinho em minha homenagem (kakakakakak).
    Beijos, meus amores

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  4. Continuo curiosa. Vou ter de seguir, o blog, não ligue a paranóia, para saber mais sobre essa escrita da China.

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