sábado, 12 de junho de 2010

anticlímax

Coçou a cabeça e murmurou alguma coisa em uma língua secreta. Uma oração, talvez. Uma oração tão antiga quanto as cerimônias pagãs que remontam à pré-história das religiões. É a sua defesa contra o intruso, o desconhecido que pode invadir impetuosamente a nossa indiferença oferecendo a fantasia dos instintos liberados pela poesia, pela arte, estas atividades eróticas que substituem o amor convencional, o cotidiano ritual dos encontros e desencontros cuja função é nos manter ajuizadamente à margem de qualquer tentativa de arder.

Ajoelhou-se, me olhou como se eu fosse uma desconhecida e suplicou que nos tornássemos sensatos novamente.

Não faz mal, não tenha medo, uma das nossas molas se quebrou, mas não é uma desgraça, para tudo dá-se um jeito. É impossível irmos além. Já fomos longe demais. É suficiente permanecer no desejo de exceder sem, porém, ir até o fim, sem executar o passo final, fatal

Eu esperava algo assim, mas fiquei arrasada. Eu estava pronta para a aniquilação. Já não me satisfaz a ilusão da morte como se fôssemos personagens de um drama, de um filme, de algo que se sente intensamente, mas do qual escapamos aliviados quando fecha a cortina, quando a luz se apaga, quando o livro alcança o ponto final.

Talvez a morte seja apenas um mito, uma maneira natural e elegante do corpo enganar o tempo que o consome assumindo ou se convertendo em outra substância. O desconhecido me fascina.

Eu não chorei. Sorri cinicamente, como se tranqüilizada pelo anticlímax que se coaduna perfeitamente com a índole deste adorável covarde que, contudo, neste dia dos namorados, me trouxe flores, chocolates, uma garrafa de vinho e um livro com a Obra Poética Completa de Federico Garcia Lorca.

Carla Luma