segunda-feira, 31 de maio de 2010

Escritoras Suicidas - maio 2010

já no ar a edição 40 - maio de 2010 - das Escritoras Suicidas, cujos temas são: um verso de Ana Cristina César - mesa de bar e jardineiro, flores, jardim, e na qual estou participando com um poema e dois contos.


quinta-feira, 27 de maio de 2010

Pra não dizer que não falei em amor




O amor é um assunto no qual eu e Amália Malaquias, amiga já citada aqui em outros textos, discordamos frontalmente. Ela é uma romântica à antiga e acredita no amor. Um amor, segundo ela, que é um sentimento profundo, desprovido de qualquer condicionamento e interesse. Um amor que é feito de renúncia, de dar sem esperar nada em troca. .

Claro que ela não ama nem nunca amou assim e, quando eu a provoco pedindo que me cite um único caso onde sob a máscara da abnegação não se oculte o interesse próprio, só lhe ocorre falar do amor materno. Acontece é que também não existe amor materno. Existe, sim, instinto materno e tão forte que há milhares de casos documentados de filhotes adotados por mães de outra espécie animal. Há porquinhos amamentados por tigres, tigrinhos amamentados por cadelas, cãezinhos amamentados por gatas e outras tantas combinações, inclusive de animais de espécies que em situação natural resultaria em caça.

Nos mamíferos o instinto materno é conseqüência da ação da ocitocina, um hormônio produzido no cérebro durante a amamentação que estimula o hipocampo, uma região relacionada à memória e ao aprendizado e cujo resultado é produzir uma ligação quase indestrutível entre mãe e filho, criando um sentimento duradouro. O estímulo da ocitocina liberada na amamentação é tão poderoso que em experiência com animais de laboratório comprovou-se que as cobaias preferem amamentar os filhotes a tomar cocaína.

Neste ponto, Amália, que desdenha dos meus conhecimentos na área da química biológica, me interrompe para dizer que não tem importância alguma se o amor é conseqüência da atuação de um hormônio e que deve existir algum outro hormônio que estimule a eclosão do amor entre “uma mulher e um homem”. Pus entre aspas porque Amália só crê no amor heterossexual. Do ponto de vista biológico é possível que ela tenha razão neste aspecto, porque os feromônios sexuais atuam para possibilitar a reprodução sexual, em conformidade com o instinto de preservação da espécie, mas isso, então, seria negar a possibilidade de “amor” homossexual, porque nada indica que a natureza tenha criado mecanismos bioquímicos de atração entre indivíduos do mesmo sexo.

Justamente porque creio na possibilidade do “amor” homossexual, tanto quanto do amor heterossexual, é que não acredito no amor com as características que Amália atribui a este sentimento, pois tais características só são possíveis quando um estímulo bioquímico atua com força superior ao do instinto de auto-preservação e, além do instinto de preservação da espécie, apenas as drogas e certas doenças mentais, são capazes de levar uma pessoa à aniquilação, situação análoga ao do amor romântico no qual a minha amiga acredita.

Mas eu também creio no amor, uma outra espécie de amor, um amor que é dádiva da cultura, da arte, da imaginação humana, da fantasia, da poesia. Amor que é conseqüência do amor próprio, não em detrimento dele. Amor porque nos faz bem amar e sentirmo-nos amados. Amor de salvação, não amor de perdição.

Carla Luma


domingo, 23 de maio de 2010

hipocrisia



Nunca fui a queridinha da Associação de Pais e Mestres, mas ia à missa aos domingos e confessava os meus pecados sentada no colo do padre. Portanto não esperem que eu assuma uma atitude hipócrita usando este espaço para condenar as safadezas alheias, como se eu fosse uma santinha. Estou dizendo isso porque uma certa poetisa recém lançada dedicou o seu livro aos "justos" e jura desprezo aos demais indivíduos da espécie humana. Se ela não fosse uma pessoa inteligente e culta, como imagino que seja, eu poderia acreditar que, coitada, não sabe que dedica o seu desprezo a todos os seus leitores que, como eu e, evidentemente, como ela também, clamam por justiça para os outros e privilégios para si e para os seus, porque as noções de justiça e de probidade que cultivamos sofre da elasticidade dos interesses próprios contrariados. Isso é humano e é natural que seja assim. Portanto, não sinto dificuldade ou remorso em classificá-la entre os hipócritas, o tipo de gente que mais me enoja. Não vou dizer quem é a moça pra não fazer propaganda gratuita. O livro tem dois bons poemas e quatro ou cinco razoáveis. O resto não vale a tinta. Mas não julguem que isso é pouca coisa: a poesia contemporânea é paupérrima. Dois bons poemas em um mesmo livro é fato notável.

Por falar em hipocrisia, recebi um e-mail de uma leitora do blog. Ela diz que lê tudo que eu escrevo, que concorda com tudo que eu digo, que gostaria de ser como eu sou, mas que não pode se expor e que por isso é acompanhante anônima do blog e não deixa comentários. Tentando se justificar, ela arrola meia dúzia de motivos estúpidos, entre os quais um marido ciumento, violento e antiquado, mas que ela diz que ama e teme perder. Defendo o direito que ela tem de ser covarde. Não tenho como saber das dificuldades que enfrenta e posso aceitar que em certas circunstâncias levar umas porradas de vez em quando pode ser menos doloroso que passar necessidade. Mas me senti mal lendo o e-mail, tanto quanto com a dedicatória da poetisa. Em circunstancia alguma eu aceitaria ser espancada. Fere a minha noção de dignidade. Em circunstancia alguma eu aceitaria que alguém bisbilhotasse minha bolsa, meus bolsos, minhas gavetas, que rastreasse no histórico do browser os sites que visitei, que abrisse as minhas cartas, que vasculhasse os meus e-mails. Isso fere a minha noção de dignidade. Porém, só me cabe cuidar da minha dignidade, não da dignidade alheia. E, como tudo o mais, a noção de dignidade de uma pessoa pode ser muito diferente da de outra. Ser puta, por exemplo, não fere a minha dignidade. Não sou juíza de ninguém e cada qual que ature o peso da sua cruz, mas, por favor, querida leitora anônima, não me venha dizer que concorda com tudo que digo e que gostaria de ser como eu sou. Talvez você se sinta melhor aceitando-se como é.



Sem pudor me exponho
para os puros e para os ímpios
pois não me inquieta
se quem quer me decifrar
tem as mãos sujas de sangue
se almeja a santidade
se mente
se rouba
se traí
se vai a missa
se reza
pouco me importa
a mim não cabe julgar.

Carla Luma


sábado, 22 de maio de 2010

Como se fosse voar














sempre oscilante
fico indecisa
quando preciso optar
qual a roupa que vou usar
quando tenho que escolher
entre uma festa e um bom livro
se necessito decidir
entre a montanha e o mar

mas quando acerto um programa
quando o trabalho me chama
é como se outra se erguesse
e me tomasse nos braços
ponho uma tanguinha vermelha
em poucos minutos me visto
em dois ou três me maquio
é como se entrasse no cio
é como se fosse voar

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Partilha












Sei que prometi contar o que rolou na viagem à China, mas não ouso contrariar a minha natureza, que hoje está mais para o profano que para o profissional, se é que no meu metiê se pode separar uma coisa da outra.

Não somente porque a aparência é fundamental na minha atividade, mas, sobretudo para exercer o meu legítimo direito à futilidade, ontem fui ao cabeleireiro. Para ser mais explícita, fui ao MaluMaison D' coiffeur, um salão chiquérrimo na rua Eugênia de Carvalho, na Vila Matilde. Indicação de Amália Malaquias quando soube que eu pretendia fazer um corte retrô, anos 60.

Optei por um corte carré, na altura dos ombros, bem desestruturado, com volume, movimento nas pontas e franja longa, que combina bem com o formato do meu rosto. Adoro mudar o visu de vez em quando e agora estou ruiva. Tão ruiva que é capaz da Nina Rizzi me convidar para militar no MST.

Enquanto fazia as unhas, agora cobertas com Escândalo, um esmalte cereja rosado da coleção da Ana Hickmann, ouvia a instrutiva e filosófica conversa de uma noiva e sua mamãe, a dela, não a sua, querida leitora, querido leitor. Conversa que tentarei reproduzir o mais fielmente possível:

Seja sincera comigo, querida: se você fosse pobre, dividiria com uma amiga o seu último pedaço de pão?

Claro que dividiria, mamãe, mas não estou entendendo onde você está querendo chegar.

E se você descobrisse que além do seu pão a sua amiga está também comendo o Jorge?

O quê? O Jorge e a Juliana? Quem contou isso a você?

Calma, filha. Não sei de nada, ninguém disse nada, muito provavelmente nunca houve nada entre eles, eu estou apenas querendo saber o que você faria caso descobrisse alguma relação íntima entre eles?

Isso é pergunta que se faça no dia do meu casamento, mamãe?

É o dia certo de fazer, minha querida. O que você faria?

Claro que me separo dele, mas antes arranco os olhos daquela vadia.

Então acho que ainda está em tempo de você desistir do casamento, filha. Se você se sente capaz de dividir o último pedaço de pão, mas não se sente capaz de compartilhar afetos que não lhes farão falta porque jamais se gastam...

Pararam a conversa quando perceberam que eu era toda ouvidos.

Carla Luma

terça-feira, 18 de maio de 2010

Negócio da China


Os milhares de leitores fiéis, que visitam meu blog, compram meus livros e acompanham na Caras - e em outras revistas, jornais, rádios e tevês - as minhas andanças e danças, os meus retumbantes sucessos e pífios fracassos, sabem que estou retornando da China onde passei dois meses em intensa negociação para o lançamento de uma edição do badaladíssimo as mãos me falam, os falos me calam.

Eu nunca consegui entender plenamente o significado da expressão "negócio da china". Eu pensava que era uma coisa. Depois a Rede Globo fez uma novela com esse nome e eu comecei a pensar que significava outra coisa mais próxima das falcatruas que costumam ser pano de fundo das novelas da emissora carioca. Na dúvida, pesquisei em dicionários, enciclopédias, até no Google, e encontrei dezenas de acepções umas complementares, outras contraditórias. Como tenho preocupações mais sérias e urgentes deixei o assunto de lado, mas agora, depois de dois meses intensíssimos, posso assegurar-lhes que erra quem pensa que fazer um negócio da china é como comprar bolacha quebrada, ou que assemelha-se às barganhas eleitorais desavergonhadas entre os partidos políticos brasileiros, sem livrar a cara de nenhum. Sou puta mas não sou burra e não tenho medo.

Quando lá em cima falei das novelas coçou-me a xoxota aproveitar para falar de uma coisa que sempre me deixou intrigada: vocês já notaram que nas novelas só a negrada trabalha? Os protagonistas acordam de paletó e gravata e passam o dia inteiro vestidos pra festa, tramando arapucas uns para os outros, dando corno uns nos outros, e bebendo rios de uísque. Em novela até as casas dos pobres são arrumadinhas e asseadas e a dos ricos -os protagonistas sempre são ricos ou alpinistas sociais - parecem showroom de design de móveis e decorações: ninguém tem lençol furado nem larga toalha molhada na cama, nunca falta luz, não entra bala perdida... Parece a "Ciranda da Bailarina", de Chico Buarque de Holanda.

Pois é, esse post era pra falar sobre as negociações para o lançamento do meu livro na China, mas me perdi no caminho e pra não desandar ainda mais a maionese, deixo por aqui, com a solene promessa de voltar breve para contar o que rolou no oriente.

Beijocas, meus amores.