Encontrei-me com uma amiga de infância que não via fazia milênios. Enquanto ela me falava apaixonadamente da sua profissão eu me dei conta da necessidade de esclarecer alguns aspectos do meu ofício, caso eu não pretenda que os meus milhares de leitores e leitoras fiquem como fiquei na conversa com Amália Malaquias: nas nuvens.
Certamente muita gente sabe que os classificados de quase todos os jornais aceitam anúncios de, digamos eufemisticamente, massagistas e acompanhantes, mas é uma fria, meus amores. Quem quiser minimizar os riscos de trilhar nesta maravilhosa senda do comércio sexual deve preferir o marketing direto com a utilização de porteiros e recepcionistas de hotéis como intermediários. A taxa de praxe é de 10%, mas, se você der um pouco mais, se for do tipo que pergunta pela família do cara, ou até se se dá de graça a ele em datas comemorativas, terá, em reciprocidade, a preferência para atender aos melhores clientes: os mais generosos e, se possível, mas não obrigatório, os mais simpáticos. Exceto por uns caras aqui da cidade que já me conhecem, e têm o número do meu celular, atendo preferencialmente executivos, em viagens de negócios, hospedados em hotéis de 4 e 5 estrelas. É o meu nicho de mercado. Meu cachê básico é de 500 reais, mas, quando a procura está baixa, pra não ficar sem serviço, faço por 300 paus. Em compensação, quando a procura cresce, o que ocorre quando há grandes eventos na cidade, Salão do Automóvel, por exemplo, meu cachê pode ir até 2 mil.
Mas, é bom que fique claro que minimizar riscos não significa absolutamente que se trata de uma atividade isenta de perigos. Já passei por situações que me levaram à beira do pânico. Uma ocasião fui investigada e passei por horas de interrogatório em uma delegacia de polícia imunda, uma pocilga fedorenta, tudo porque um porteiro de hotel achacava os executivos que requisitavam serviços sexuais. O mau-caráter tinha acesso às fichas dos hospedes e, não sei como, fazia fotos comprometedoras. Um dos chantageados tomou a atitude certa: foi à polícia. Felizmente logo se esclareceu, o próprio porteiro confessou, que nenhuma garota estava envolvida no esquema.
Pior que isso foi o medo que passei quando fui atender um homem imenso. Tinha quase dois metros, ou um pouco mais. Pintava cabelo, bigode e sobrancelha de um preto retinto. Apesar disso, ou talvez por isso, dava pra se perceber que tinha por volta dos setenta anos. Não era um velho alquebrado. Era forte, enérgico, com a voz grossa e autoritária. Uma dessas pessoas que você logo percebe que está acostumado a mandar e a ser obedecido sem contestações. Até aí tudo bem, eu já havia atendido muitos outros homens com aquelas características que, por sinal, parecem constituir um dos fatores que os alçam ao sucesso no competitivo mundo dos grandes negócios e das grandes negociatas: muitos políticos têm também estes atributos.
O meu coração começou a disparar foi quando o cara disse que me algemaria na cama: pés e braços, e eu me imaginei o Homem Vitruviano de Da Vince. Protestei. Ele me mandou calar a boca e que deitasse, nua, pernas e braços abertos. Falou de um jeito que, até hoje não entendo porque, obedeci. Algemou-me. Pôs um lenço na minha boca e lacrou-a com fita crepe. Não precisava: bastava o coração na boca para me manter calada. Ficou alguns minutos, que me pareceram uma eternidade, apenas me olhando e dizendo: “você é uma obra-prima”. Depois se sentou ao meu lado e começou a me acariciar lentamente com a ponta dos dedos. Acalmei-me. Depois começou a me lamber. Eu já estava tranqüila e até gostando, convencida de que ele não cometeria violência. Foi ao banheiro e quando voltou trazia uma navalha na mão. O coração voltou a disparar, comecei a suar apresar do ar-condicionado fortíssimo do quarto. Inutilmente tentava gritar e me mexer. As lágrimas inundaram os meus olhos. Imagino que a minha cara era de puro pânico e que aquilo o excitava. O filho da puta me depilou os pentelhos e quando imaginei que me estupraria ele masturbou-se e me untou com aquela porra fedorenta. Depois sorriu. Disse-me que fui uma ótima menina, que me pagaria o cachê triplicado. Que me acalmasse. Que não gritasse. E sorriu novamente: um sorriso de menino grande que está satisfeito com um brinquedo novo. Arrancou a fita crepe com um movimento rapidíssimo e pôs a outra mão sobre a minha boca. Doeu pra caralho. Percebeu que eu não gritaria. Tirou o lenço que já quase me sufocava. Tirou as algemas. Pagou-me regiamente. O pior havia passado. Consegui me acalmar. Vesti-me, e, quando ia saindo, uma força misteriosa me fez dar meia volta. Tirei da bolsa um cartão e disse a ele que me ligasse quando viesse outra vez a São Paulo. Ele disse que talvez ligasse, mas só após o tempo necessário para que me crescessem novos pentelhos.
Carla Luma